quarta-feira, 22 de abril de 2009

Internet como meio de cobrança

“Dívida Ativa da Fazenda Pública”

Foi com tristeza que a sociedade recebeu a notícia de que o governo passou a usar a internet contra os devedores. Ao editar a Portaria n.º 642, a Procuradoria da Fazenda Nacional invoca o cumprimento do artigo 198, § 3.º, II, do Código Tributário Nacional, que não veda (mas também não impõe) a divulgação de informações sobre os inscritos no rol da “Dívida Ativa da Fazenda Pública”. Em termos práticos, todos eles poderão ter seu nome lançado em uma espécie de “cadastro de negativação de crédito”, criado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, no seu próprio site.

A ideia, segundo a Procuradoria, é possibilitar à sociedade consulta sobre os “devedores da União”, além de tornar mais transparente o processo de cobrança de dívidas do Estado, já que o sigilo fiscal, garantido pela Constituição Federal, só seria válido até a inscrição do débito como dívida ativa.

Ledo engano na interpretação de uma garantia constitucional. Aos olhos de alguns, nada mais justo do que o Estado usar os meios tecnológicos para receber seus créditos, não fossem alguns detalhes jurídicos.

Comecemos pelo Código de Defesa do Consumidor, que já foi invocado para defender a medida, pois prevê a criação de banco de dados sobre os consumidores, apesar de nada tratar de relações tributárias. Ora, o próprio Código, em seu artigo 42, proíbe constrangimento, ameaça ou exposição ao ridículo na cobrança de débitos. Aliás, se devemos promover apenas uma leitura do que está escrito na lei, não podemos esquecer do artigo 316 do Código Penal, que descreve como crime a conduta do funcionário público que emprega meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza, na cobrança de tributo.

Ora, quando discutidas as publicações de listas de devedores do INSS, a própria Receita Federal levantou eventual afronta ao princípio constitucional do sigilo fiscal. Vergonhoso eleger novo meio de coação, agora pela internet, sob a alegação de prestigiar o direito à informação e o princípio da publicidade quando, em contrapartida, são violados os direitos à intimidade, à vida privada, ao sigilo fiscal e financeiro. Quanto ao uso de “medidas paralelas” para alcançar a satisfação de seus créditos, inconcebível aceitá-las em um Estado Democrático de Direito, cujos meios e recursos para regular a atuação da Administração Pública estão previstos em lei. A Procuradoria da Fazenda Nacional seria mais eficaz se prestasse auxílio e informações ao mercado e ao sistema financeiro pautada pelo respeito aos direitos e garantias individuais previstos pela Constituição Federal.

Infeliz equívoco imaginar que tal medida levará à sociedade uma “consciência social” da obrigação de pagar tributos, pois criará uma espécie de “medo positivo” na população de ver seu nome na “lista negra” da Procuradoria da Fazenda Nacional, levando todos os devedores a correrem aos “caixas” da Receita para quitar seus débitos.

*Cláudio José L. Pereira é ADVOGADO, PROFESSOR DA PÓS-GRADUAÇÃO E DA FACULDADE DE DIREITO DA PUC-SP, publicado no Jornal da Tarde/SP

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