segunda-feira, 21 de junho de 2010

Rotina alterada pelo trânsito

Congestionamentos influenciam escolha da moradia, horários de trabalho, aulas e atividade física dos curitibanos. Objetivo é perder menos tempo na rua e ganhar em qualidade de vida

Trabalho que começa ao meio-dia e termina no horário da novela das oito, atividades extraclasse no fim das aulas para esticar o tempo que o pai e a mãe têm para buscar os filhos e a transferência da atividade física para muito cedo ou tarde da noite. Essas são algumas das mudanças que os curitibanos estão implementando em sua rotina por um motivo em especial: o caos no trânsito. A dificuldade de chegar de um ponto a outro da cidade e o tempo perdido nesse trajeto virou preocupação frequente na cabeça dos moradores da cidade com a frota de veículos que mais cresce – são 1,2 milhão – e, ao menos, seis grandes obras previstas para começar só neste primeiro semestre, entre elas a construção de duas trincheiras, uma na Avenida Comendador Franco e outra na Gustavo Rattman.

O diretor do mestrado e doutorado em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Fábio Duarte, avalia o estabelecimento de horários alternativos como um dos pontos válidos, úteis para transformar o trânsito de uma cidade, mas lembra que tal mudança deveria começar nas universidades e órgãos públicos. É o princípio de dar o exemplo.

“As universidades são instituições que geram passivos no trânsito de maior impacto do que os shopping centers. A concentração do fluxo em torno delas é bem maior”, diz ele. “E os universitários têm autonomia de mobilidade – ao contrário dos estudantes mais novos – para mudar sua rotina dessa maneira, além de serem formadores de opinião. Da mesma maneira os órgãos públicos, como Urbs e Ippuc, deveriam ser os primeiros a adotar medidas como essas para sanar o trânsito.”

Nessa linha, o Centro Univer­si­tário Fae implementou há algum tempo horários descasados de aula. Alguns cursos começam às 19 horas, outros às 19h10 ou 19h20, como uma forma de ao menos aliviar a concentração de carros no entorno da faculdade.

Escolas

Algumas instituições particulares de ensino fundamental e médio, como os colégios Positivo e Me­­dianeira, têm oferecido atividades complementares antes do início das aulas e logo após o término, possibilitando que alguns alunos cheguem mais cedo e saiam mais tarde da escola. Isso facilita o dia a dia dos pais. Que o diga a vendedora Greice Frota de Oliveira, de 35 anos. Neste ano, ela matriculou a filha Manuela, que fará 7 anos nesta semana, no Colégio Positivo e a inscreveu em duas atividades complementares diferentes, artes e natação, que preenchem os horários de quatro dias da semana logo após o término das aulas. “Com ex­­ceção de quarta-feira, ela sai 18h20 da aula e segue para uma das atividades e fica lá até 19h15, quando passo para pegá-la. Com isso tenho tranquilidade para sair do trabalho e sei que ela está segura, dentro da escola, fazendo uma coisa que gosta enquanto me espera.”

A contadora Sandra Eliana Thomacheski, 42 anos, optou pelo ensino integral da escola Atuação para os filhos Lucas André, de 10 anos, e Caroline, de 9. “Eles entram pela manhã e ficam até as 19 horas. Com isso fico mais um tempinho no trabalho, espero passar um pouco o horário ruim do trânsito para pegá-los.” Sandra também mudou o horário das compras do supermercado por causa do trânsito cada vez mais complicado de Curitiba. “Para não perder uma manhã do fim de semana, quando prefiro ficar com meus filhos, faço as compras, por vezes a conta-gotas, durante a semana, no meu intervalo do almoço.”

O presidente do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe-PR), Ademar Batista Pereira, não sabe dizer ao certo quantas das 1.072 instituições de Curitiba cadastradas na entidade têm ensino integral, mas estima que a grande maioria das grandes e médias redes já ofereçam a opção. “A oferta de atividades complementares também aumentou por causa de uma demanda da sociedade.”

A mesma lógica de oferta de serviço foi estendida nas escolas de idiomas, que passaram a oferecer mais faixas de horários, justamente para atender pessoas com uma rotina difícil de trabalho e que têm no trânsito um dos obstáculos. Na Influx do Jardim das Américas, 10% dos 850 alunos fazem aulas do tipo particular e em horários pré-agendados. “Boa parte desses alunos têm uma rotina forte de trabalho, com viagens e não conseguem se comprometer em vir dois dias da semana em um mesmo horário, precisam de uma maior flexibilidade”, explica o coordenador pedagógico da escola, Luciano Torres Mackert.

Atividade física

Nas academias, as aulas de antes das 7 horas da manhã e após as 19 horas têm ficado lotadas. A economista Gisele Beal, 39 anos, é uma das frequentadoras da noite da academia Carpe Diem, no Alto da XV. Ela mudou sua atividade física do fim da tarde para depois das 19 horas. “An­­tes disso é impossível chegar, acabo perdendo qualquer aula que me programe para fazer e não é uma mudança tão grande, mas são minutos que fazem toda a diferença para eu continuar com a atividade física.”

Expediente fracionado é raro em Curitiba

A farmacêutica e bioquímica Caroline Vohringer, 28 anos, tem um horário de trabalho pouco usual: das 12 às 21 horas. Por trabalhar em um laboratório que não pode parar, ela teve a oportunidade de atuar em um horário diferenciado e aproveita, há 4 anos, as vantagens. “Te­­nho a manhã livre para fazer ginástica e outros compromissos, evito os horários de maior pico no trânsito e ainda chego em casa em um horário que não é tarde.”

A oportunidade de Caroline ainda é rara em Curitiba. Expe­dientes fracionados, em que os funcionários de um mesmo departamento chegam em horários alternados, para não inflacionar o trânsito, ainda não são adotados pela maioria das empresas.

“Com exceção de algumas indústrias e outros serviços que não podem parar, é pouco usual. Mas acredito que poderia ser feito a partir de um estudo que identificasse quais categorias têm um impacto maior no trânsito e poderiam ter um horário de trabalho diferenciado”, avalia o sócio-gerente do Grupo Parceria Recursos Hu­­manos, Amauri Rogério Valt.

“Caberia à prefeitura de Curiti­­ba chamar os setores para conversar e dentro do setor de serviços, que é o que mais concentra a mão de obra da cidade, identificar aqueles que podem ser prestados nesse horário da noite para aliviar um pouco o fluxo de carros da ci­­dade no horário comercial”, sugere. Segundo a Secretaria Municipal do Trabalho, com base em dados de abril deste ano, 51% dos trabalhadores com carteira assinada na capital estão no setor de serviços, cerca de 330 mil pessoas.

Facilidade

Proximidade do trabalho pesa na escolha da casa

Residir próximo do trabalho ou de outra atividade crucial tem ficado mais comum para os curitibanos. Uma pesquisa feita com 40 famílias que acabaram de comprar imó­­veis pela Brain Bureau de Inte­­ligência Corporativa, consultoria es­­pecializada no mercado imobi­­liário, mostra que a localização é o primeiro fator decisivo, citado por 90% dos entrevistados, para a escolha da casa própria, seguido do preço e do tipo e composição (planta) do imóvel. “Dentro da es­­colha pela localização identificamos uma maior tendência pela pessoa permanecer no mesmo bairro, para manter os mesmos hábitos. A segunda maior tendência é morar perto do trabalho ou da escola do filho. Além disso, no segundo ciclo de vida, na segunda casa, as pessoas ficam ainda mais inclinadas a escolher a localização do imóvel pela proximidade com o trabalho ou a escola”, analisa o economista Fábio Tadeu Araújo, um dos sócios da consultoria.

Há três meses, a engenheira civil Barbara Cenovicz, 26 anos, saiu do bairro Ahú para a região do Mossunguê só para ficar mais perto do trabalho na Cidade Industrial. “Le­­vava mais de uma hora para fazer o trajeto e só conseguia evitar o trânsito congestionado se saísse bem mais tarde, às 19h30 ou 20 horas”. Agora ela leva 15 minutos para ir e voltar do trabalho. “Tenho conseguido até almoçar em casa em alguns dias.” Para jogar bola com as amigas, mais uma mudança, agora de horário. “Passamos os encontros das 19 horas para as 20h30”, conta Barbara.

*com informações publicadas na Gazeta do Povo

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