domingo, 29 de abril de 2012

Apartamentos da “nova classe média” são entregues com todo tipo de defeito

Finalizados a toque de caixa, imóveis de até R$ 150 mil muitas vezes não têm nem a documentação necessária para serem habitados

Paredes tortas, buracos na alvenaria, pintura malfeita, louças fora do padrão, goteiras e infiltrações, portas lascadas e piso desnivelado. Esses são alguns dos problemas que consumidores estão encontrando em seus imóveis recém entregues, principalmente na faixa de até R$ 150 mil, valor do teto do programa Minha Casa, Minha Vida para Curitiba. Em muitos casos, as construtoras estão entregando os imóveis a toque de caixa, já em atraso, sem a documentação mínima que comprove a habitabilidade – e repassando os problemas de construção para os moradores.

O padrão de baixa qualidade se repete em vários condomínios, todos destinados ao mercado da chamada “nova classe média”, e lançados na onda do crescimento do poder de compra dessa faixa de renda. Os problemas preocupam principalmente porque agora é o momento em que a maioria das novas unidades começa a ser entregue. Em 2011, segundo estimativas da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Paraná (Ademi-PR), foram entregues 2.845 unidades em Curitiba. Neste ano devem ficar prontas outras 7.354 e, em 2013, calcula-se que 10.909 casas e apartamentos serão entregues na cidade.

Há exemplos de problemas por todos os lados. O empresário Gustavo Machado mora de aluguel no Spazio Cosmopolitan, no bairro Portão, em Curitiba, enquanto seu apartamento em outro empreendimento da mesma construtora, o Spazio Compostela, no Hauer, não fica pronto.
Já se passaram seis meses da data de entrega prevista em contrato e a empresa tentou implantar o condomínio, mas os moradores não aceitaram porque a prefeitura ainda não forneceu o Habite-se.

Machado conta que apontou mais de cem irregularidades em seu apartamento, durante a vistoria de entrega. Ambos os imóveis custaram cerca de R$ 100 mil.
Enquanto não consegue se mudar, Machado enfrenta no apartamento alugado parte dos mesmos defeitos apontados na unidade que comprou: “A infiltração derrubou o forro de gesso do banheiro e danificou parte da pintura do quarto. Tem água que escorre por todos os lados. Tenho medo de que o mesmo aconteça no meu imóvel próprio, já que irregularidades como paredes e piso tortos já apareceram lá.”

O analista de suportes João Costa Kieltyka, morador do mesmo empreendimento, diz que a área comum do condomínio é motivo de dor de cabeça: a garagem foi reformada três vezes em um ano, devido a infiltrações, e já foi interditada. “A qualidade do material que usaram nos apartamentos é muito ruim e a empresa não demonstra interesse em resolver. Certa vez um representante da empresa me disse que o apartamento era um ‘quase Cohab’ e que eu não podia esperar acabamento de primeira linha”, relembra.

O mesmo “argumento” foi ouvido pelo jornalista Eduardo Correa. Na primeira reunião do condomínio Vivare, entregue no ano passado, o engenheiro da construtora tentava convencer os moradores a aceitarem o apartamento, apesar dos problemas de pintura e erros estruturais. “Quando um dos vizinhos falou que não ia aceitar, ele disse que o imóvel era de baixo custo, e que as pessoas não podiam reclamar, por causa do preço”, lembra. Na época da compra, há quatro anos, os imóveis, que ficam no bairro Tingui, foram vendidos na faixa dos R$ 140 mil.

Ministério Público investiga construtoras por irregularidades

O Ministério Público do Paraná (MP-PR), por meio Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Curitiba, realiza investigações para apurar irregularidades em imóveis oferecidos na capital, mas diz não poder informar quais são as empresas. Entre elas, há construtoras de todos os portes.

O consumidor que se sentir lesado pode registrar reclamações nos órgãos de defesa do consumidor. O Procon-PR, por exemplo, recebeu 317 queixas no ano passado por causa de vazamentos e entupimentos de encanamentos, além de outros problemas relacionados à qualidade de construção e outros tipos de defeitos. Em 2012 já são 52 reclamações nesses três itens.

Entretanto, quando os danos são coletivos, como os apresentados nesta reportagem, eles podem ser denunciados ao MP-PR. Nesses casos, a lei legitima o MP para atuar em duas frentes: a do ressarcimento e recuperação dos danos causados ao consumidor e a garantia da sua segurança. Após receber a denúncia, o órgão instaura inquéritos civis para apurar os fatos. Confirmada a denúncia, a instituição procura resolver, preferencialmente, os problemas de forma administrativa, firmando acordos extra-judiciais. Não havendo acordo, o MP-PR ingressa com ações civis públicas na Justiça.

Ajuste de conduta

No fim do ano passado o Ministério Público de São Paulo firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Sindicato da Habitação (Secovi) para definir regras mais claras entre construtora e consumidor. No Paraná, o MP-PR também tem TACs, mas individuais, com cada construtora. “O MP-PR tem TAC firmado com praticamente todas as construtoras que operam em Curitiba, no que diz respeito à oferta publicitária de imóveis”, informa o MP-PR.

Projeto de lei

Inspirado no TAC paulista, o deputado estadual Cesar Silvestri Filho (PPS) propôs um projeto de lei que pretende regulamentar o tempo de atraso na entrega de imóveis comprados na planta em todo o Paraná. Pela proposição, o fornecedor deve encaminhar ao consumidor, a cada seis meses, relatórios sobre o andamento da obra. Outro artigo prevê tolerância máxima de 120 dias para a entrega do imóvel comprado na planta, mas a construtora precisaria informar com clareza os motivos da postergação.

Mediação

Outra opção para ajudar os consumidores é a Câmara de Mediação e Arbitragem do Crea-PR, onde é possível resolver conflitos – na audiência, um mediador pode definir um resultado, que vale como uma sentença. “Falhas construtivas, como infiltrações e rachaduras, por exemplo, têm garantia de cinco anos. Se o consumidor não conseguir resolver a questão junto à construtora, pode buscar a câmara”, afirma Adriana Casagrande, gerente da regional do Crea-PR em Curitiba. Segundo o Crea-PR, a taxa de sucesso nas mediações é de 70%.

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Desculpa

Preço do imóvel não justifica baixa qualidade
 Construtora que usa o preço do imóvel para justificar defeitos de qualidade está agindo de má-fé.

A advertência é da gerente jurídica do Idec, Maria Elisa Novais. Segundo ela, a empresa tem de entregar o que prometeu, independente do valor do imóvel. “O imóvel tem que funcionar e direito, não pode ter falhas que comprometam a sua estrutura. Só porque é mais barato pode ser malfeito? Esse é um pensamento de empresas que tendem a agir de má-fé”, salienta.

Luiz Fernando Pereira, consultor jurídico do Sinduscon-PR, diz que a diferença de preços entre imóveis pode influenciar, por exemplo, no isolamento acústico entre unidades. “Entretanto, quando a construtora vende o imóvel por determinado preço, ela está dizendo que por aquele valor pode entregar algo suficientemente funcional, e funcionando. Se o consumidor fosse informado que se estivesse pagando menos ele teria um produto pior, não compraria”, destaca Pereira.

Mutuários encontram dificuldades em negociar com as construtoras após a entrega dos apartamentos. Uma moradora do residencial Spazio Cosmopolitan, após meses de tentativa frustrada para resolver defeitos graves causados por infiltração em seu imóvel, postou um vídeo no YouTube intitulado “MRV – A Hora do Pesadelo”. Depois do vídeo ir ao ar e ser assistido por quase 3,5 mil pessoas, a construtora está reformando o apartamento enquanto a moradora aguarda os reparos, morando em um flat pago pela empresa.

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Serviço

Boca no trombone
Denúncias ao MP-PR podem ser encaminhadas para o e-mail consumidor@mp.pr.gov.br ou diretamente nas Promotorias do Consumidor das comarcas. Informações sobre a câmara de mediação do Crea-PR podem ser obtidas em www.crea-pr.org.br.
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Defeitos têm de ser sanados pela construtora

Na hora da entrega do apar­­­tamento, termos como Habite-se, averbação e condomínio começam a fazer parte do cotidiano do morador. Nesse momento, é importante ter em mente que a construtora não pode forçar os moradores a implantar o condomínio antes de receber o chamado Habite-se, documento emitido pela prefeitura que comprova que o imóvel pode ser habitado. E, mesmo se isso ocorrer, a construtora não pode se eximir de suas responsabilidades por defeitos na obra.

A inversão dessa “ordem natural” colocou os moradores do Spazio Cosmopolitan m um “limbo” jurídico. Após mais de um ano de atraso na entrega, mudaram-se para os apartamentos, mas só parte do condomínio tinha o Habite-se. Antes da mudança, os moradores foram convocados pela empresa para implantar e assumir o condomínio; chegaram a pagar taxas antes mesmo de morarem lá. Agora, querem fazer obras de melhoria, como a ampliação das lixeiras, mas a construtora não permite, alegando que a intervenção descaracterizaria o projeto inicial – o que a impediria de obter o Habite-se de todas as unidades.

O doutor em Direito pela UFPR Luiz Fernando Pereira, consultor jurídico do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Paraná (Sinduscon-PR), ressalta que o condomínio não pode ser implantado antes do Habite-se. “Essa é a recomendação, para que o condômino fique em uma situação física e jurídica adequada. Além disso, a implantação do condomínio não pode ser condição para a entrega das chaves”, explica.

Mesmo que os moradores tenham implantado o condomínio sem ter o Habite-se, a construtora não pode se eximir de suas responsabilidades, de acordo com a gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maria Elisa Novais. “Se o condomínio for implantado, é preciso que na primeira ata estejam relatados todos os problemas da área comum, para que a construtora os resolva. Não é só porque houve a entrega das chaves que as obras previstas em contrato deixam de ser responsabilidade da empresa”, alerta.

Habite-se e averbação
Em Curitiba, o Habite-se é chamado de Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras (CVCO). A Lei Municipal 11.095/04 permite que o documento seja emitido total ou parcialmente – ou seja, a apenas alguns blocos ou torres, por exemplo. “Quando o Habite-se é parcial, é possível morar na unidade que já possui o documento, desde que a área comum esteja com a liberação proporcional”, diz o diretor do Departamento de Controle de Edificações da Secretaria de Urbanismo, Walter da Silva.

Com a posse do Habite-se, é preciso levá-lo ao Cartório do Registro de Imóveis, para fazer a aberbação. “Para a pessoa se mudar para o novo imóvel, não é necessária a averbação, basta que o empreendimento tenha o Habite-se”, esclarece.

MRV Engenharia diz que está fazendo reparos
A MRV Engenharia, construtora mineira líder do mercado nacional no segmento de imóveis de até R$ 150 mil, e que é responsável pelos empreendimentos Spazio Cosmopolitan e Spazio Compostela, informou que o Cosmopolitan já tem o Habite-se total e que o documento foi emitido em 9 de abril.
Em relação a reparos de unidades e de áreas de uso comum, a construtora diz que todas as solicitações individuais das unidades estão sendo tratadas por sua equipe de assistência técnica, à medida em que são apresentadas.
“Com relação à garagem, foi identificado um problema de infiltração, cujos reparos foram iniciados no último dia 23. O síndico está ciente e acompanhando os reparos, com conhecimento dos prazos para conclusão”, diz a nota.
Entretanto, os moradores foram procurados na última semana e informaram que o empreendimento ainda não tinha o Habite-se. Os condôminos disseram também que, apesar das chamadas para os reparos, a empresa demora em atender à demanda.
Sobre o Spazio Compos­­­tela, a MRV Engenharia informou, também por meio de nota, que as obras estão concluídas, vários clientes já vistoriaram seus apartamentos e as entregas das unidades já começaram. Futuros moradores do empreendimento, no entanto, asseguram que o condomínio ainda não tem a documentação necessária para ser habitado.


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Glossário


Dois documentos essenciais para quem está de mudança:

• Habite-se
É o documento expedido pela prefeitura que atesta que o imóvel está apto para ser habitado. Os mutuários não podem se mudar sem a emissão do documento.

• Averbação
Após a conclusão das obras e a emissão do Habite-se, o documento deve ser averbado, ou seja, registrado no Cartório do Registro de Imóveis. O processo leva, em média, 30 dias. A averbação do Habite-se não é condição para a habitação do imóvel. Entretanto, quando o imóvel é financiado, o mutuário só passa a pagar o financiamento após a averbação.


 *com informações publicadas na Gazeta do Povo

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