sábado, 4 de agosto de 2012

Aproveite o fim de semana e leia I: Abaixo a cornetagem

Ele passa três anos, 11 meses e três semanas pensando só em futebol. Mas chegam os Jogos Olímpicos, dos quais praticamente não há como escapar, e ele fica sabendo não apenas que existem outros esportes, mas também que há brasileiros que são campeões mundiais, líderes dos rankings de sua modalidade ou, pelo menos, figuram entre os melhores. Então, ele passa a acreditar que é obrigação desses atletas trazer medalhas para casa – muitas medalhas. Quando falham, ele os rotula como fracassados. Ele é o corneta olímpico, aquela pessoa que, até o meio de julho, só sabia a escalação do seu time, mas de repente se concedeu o direito de pontificar sobre tiro com arco e badminton.

Cornetas olímpicos são identificáveis por expressões como “o judoca amarelou” ou “o nadador foi fazer turismo em Londres”. Não interessa, por exemplo, que o judô seja um esporte imprevisível em que um segundo de distração faça um favorito perder para um azarão, coisa que temos visto com frequência. Ou que o nadador tenha chegado em último não na eliminatória, mas na semifinal ou na final, ficando entre os oito (ou 16) melhores do mundo. Ou que o adversário tenha simplesmente sido melhor. 

A única informação que o corneta olímpico processa é “perdeu na decisão do bronze” ou “último lugar”. Quem acha que só deviam ir aos Jogos Olímpicos quem tivesse reais chances de medalha ignora o efeito que o simples fato de competir contra os melhores tem no atleta, especialmente o que está começando.

O pior do corneta olímpico é que as mídias sociais lhe deram a possibilidade de cornetar o atleta sem intermediários. Em Pequim, quando a moda era o Orkut, era difícil chegar diretamente ao competidor porque as críticas ocorriam mais nas comunidades. Agora, o corneta acha as contas de Twitter ou Facebook dos atletas e os chamam, em seus murais, de “amarelões” – ou coisa pior, como o que aconteceu com a Rafaela Silva. Tenho certeza de que aquilo foi coisa de um corneta olímpico.

Não quero dizer que atletas estão imunes a críticas. Todo mundo pode ter reservas ao desempenho desse ou daquele brasileiro em Londres. Assim como não é preciso ser especialista ou praticante da modalidade para dar palpite. E amareladas acontecem, sim, mas chamar qualquer derrota de “amarelada” é injusto não apenas com o atleta brasileiro, mas com o vencedor também. O problema do corneta é a crítica infundada, quase sempre com agressividade. Gente assim atrapalha o esporte olímpico brasileiro. Ainda bem que no dia 12 o corneta olímpico desaparecerá; o problema é que em 2016 ele estará de volta.

Artigo de Marcio Antonio Campos, editor de Opinião  no jornal Gazeta do Povo

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