quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Um retrato do Brasil

A divulgação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE tornou evidente os avanços da sociedade brasileira ao longo dos últimos dez anos.

São relevantes as melhorias na diminuição da desigualdade e da pobreza, assim como o crescimento do emprego formal no país. Não obstante, os dados da PNAD revelam ainda um cenário de graves problemas e enormes desafios para o país.

Um primeiro dado que chama atenção diz respeito ao rendimento médio real do trabalhador. Em 1998 e 2008 os trabalhadores receberam em média, respectivamente, R$ 1074,00 e R$ 1041,00.

Isto significa que ao longo da década verificou-se uma queda na remuneração real dos trabalhadores brasileiros. Em alguma medida, este resultado reflete a incapacidade da economia brasileira de engendrar um ciclo de crescimento econômico sustentado e a redução do poder de barganha dos trabalhadores nas negociações salariais.

Outro problema que chama atenção diz respeito ao comportamento da taxa de analfabetismo.

Entre 2001 e 2008 a taxa foi reduzida em apenas 2,5 pontos percentuais (de 12,8% para 9,8% da população), redução mais lenta do que a verificada ao longo da década de 90, já que entre 1992 e 1999 a taxa de analfabetismo recuou 3,9 pontos percentuais (de 17,2% para 13,3% da população). É preocupante verificar que o número de analfabetos no país aumentou nos últimos anos, atingindo em 2008 um total de 14,25 milhões de brasileiros.

É redundante chamar atenção para a importância da educação e do conhecimento no mundo contemporâneo. Os dados do analfabetismo dão uma medida, ainda que parcial, do desafio brasileiro no campo da educação. Apenas a título de ilustração valeria lembrar que a Coreia do Sul, uma das economias mais dinâmicas do mundo, praticamente universalizou o ensino médio no final dos anos 80.

Os dados da PNAD revelam também a forte correlação entre o número de anos de estudo e o nível de rendimento dos ocupados. Apro­­ximadamente 64,4% da população brasileira sem instrução ou com menos de um ano de estudo ganha no máximo um salário mínimo. Para a população entre um e três anos de estudo, este percentual cai para 42,5%. De uma forma geral, como é previsível, há uma forte correlação entre anos de estudo e rendimento dos trabalhadores.
Finalmente, caberia destacar aquele que talvez seja o mais grave problema estrutural da sociedade brasileira, quer seja, a desigualdade na distribuição da renda. Neste sentido, os dados da PNAD demonstram que ao longo dos últimos dez anos foram realizados avanços significativos.

Em 1998, os 10% mais ricos da população concentravam 46,5% da renda, enquanto os 50% mais pobres detinham apenas 14,0% desta renda. Em 2008, os 10% mais ricos possuem 42,7% da renda, enquanto os 50% mais pobres possuem 17,6% da renda nacional.

Os avanços observados não invalidam, no entanto, o fato de que a concentração da renda no país é ainda um problema grave e que deve cada vez mais fazer parte da agenda de preocupações de nossa sociedade.

A elevada concentração da renda tem origens históricas e é explicada por múltiplos fatores. A inflação que assolou o país de 1930 até a implantação do Plano Real em 1994, a consolidação de um sistema tributário altamente regressivo - sobretudo a partir da Reforma Tributária de 1967 - e o nosso histórico problema educacional colaboraram ao longo das últimas décadas na construção de uma dos mais desiguais distribuições da renda em todo o mundo.

A significativa redução das taxas de inflação a partir de 1994 e a ampliação dos programas go­­vernamentais de transferência de renda foram relevantes para explicar os avanços recentes no tema. Há espaço para avanços significativos no campo da educação, aspecto central para a melhoria da produtividade e da renda do trabalhador no longo prazo.

Da mesma forma, é fundamental retomar a discussão sobre a reforma tributária no país, levando em consideração seus efeitos sobre a distribuição da renda.

A manutenção de um sistema tributário regressivo como o nosso impedirá no futuro a obtenção de quedas mais acentuadas na abominável concentração de renda brasileira.


Marcelo Curado, doutor em Economia pela Unicamp, é vice-diretor do setor de Ciências Sociais Aplicadas da UFPR


*artigo publicado na Gazeta do Povo

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