Para mim, não há dúvida: o caso Carli é o julgamento do ano no Paraná. Mais do que isso: é um dos fatos políticos mais importantes da história recente do estado. É o fato que nos fará ter uma ou outra opinião sobre os nossos poderes daqui por diante, e por um bom tempo. E me explico em seguida.
Tivemos muitos julgamentos de políticos em tempos recentes. Gente acabou tirada de cargos importantes, casos de caixa dois explícitos foram arquivados, alguns foram punidos criminalmente. Mas nada se compara ao caso Carli.
É que no caso atual o político em questão (ou ex-político, ao que tudo indica) está sendo julgado por um crime comum. Mais do que isso: por um crime que poderia ter sido cometido por qualquer um de nós.
Para matar alguém no trânsito não é preciso ter acesso a verbas públicas, não é preciso ter lugar na Assembleia Legislativa, não é necessário ter poder de lobby junto às autoridades.
Basta ter um carro. Basta não respeitar a lei. Basta não ser cuidadoso. Basta um momento de irresposabilidade.
Quando vemos um político sendo julgado por desvio de verba, mensalão ou fraude, ficamos indignados e gritamos. Mas não sabemos se estamos sendo totalmente sinceros. Quantos, do outro lado da linha, não fariam o mesmo?
Agora, não. O que ele fez, muita gente faz. Quantos não passam nos semáforos fechados, achando isso uma infração menor? Quantos não acham a restrição de velocidade nas ruas uma "bobagem" e decidem por conta própria ultrapassar esse limite?
Carli está sendo julgado por algo que nossos amigos e conhecidos fazem, quando não nós mesmos. É bom que estejamos indignados, mas melhor ainda é que alguém decida botar a mão na consciência e ver que é preciso que a gente, eu e você, não faça o mesmo.
Não é o que parece acontecer. Assim que a Justiça cancelou o contrato entre a prefeitura e a Consilux (um julgamento daqueles que nos indignam por se tratar de um erro "deles") mais de 10 mil pessoas num único dia passaram acima da velocidade pelos pontos onde os radares foram desligados.
Esqueceram o que aconteceu no caso Carli? Acham que, por não serem políticos, seu crime de ultrapassar a velocidade é menor? Acham que se garantem, que a lei não é para gente esperta como eles?
O fato é que desrespeitaram a lei em benefício próprio. Exatamente como parecem fazer diariamente nossos mandatários.
Não somos diferentes deles. E é por acharmos que esses "pequenos desvios" são aceitáveis que acabamos aceitando os grandes. E reelegendo quem muitas vezes não merecia. Perdoamos seus erros porque perdoamos os nossos.
Está na hora de acabar com isso. Que o julgamento do Carli nos lembre disso.
*publicado no blog de Rogério Galindo na Gazeta do Povo
Normalmente não comento os comentários do blog. Aliás, usualmente publico quase todos. Excetuando os mais grosseiros e os que não fazem sentido, ponho lá. Dessa vez, porém, tive de filtrar bem os comentários. E explico o motivo.
É que, como minha sábia esposa diz, as pessoas não leem o que a gente escreve. Leem o que elas querem ler. E aí saem dizendo que você falou uma coisa que, na verdade, obviamente, você nunca disse.
A mensagem que eu tenho a dar sobre o caso Carli é clara. O cara errou? Puna-se. Errou feio? Puna-se duramente. Ninguém pode, como tudo indica que ele fez, sair dirigindo embriagado, acima do limite de velocidade, sem carteira, bater o carro, se envolver na morte de duas pessoas e sair por aí como se nada tivesse acontecido.
Só continuo cobrindo política porque mantenho minha capacidade de saber o que é certo, o que é errado, e mantenho minha capacidade de me indignar com o que não presta. (Apesar de que, ao contrário do que muita gente pensa, acho que falar de política não é só falar mal, nem só escrachar os políticos.)
Resumindo, para quem não quis entender: quero que o Carli responda pelo que fez, sim.
O que não posso aceitar é que a gente veja a porcaria que dá quando ultrapassa os limites e continue fazendo coisas semelhantes.
Vários dos leitores fizeram comentários do gênero "não é a mesma coisa dirigir a 72 km/h ou a 160 km/h". Claro que não é. Assim como não é a mesma coisa roubar R$ 2 ou roubar R$ 2 milhões. Em todo caso, nas duas situações é um roubo.
Não posso tolerar que as pessoas achem "normal" cometer "pequenos desvios". "Ah, mas eu tinha bebido só duas latinhas", diz um. "Ah, mas eu estava só a 80. Não dá nada", diz outro.
Dá, sim. Desrespeito às regras dá no que deu com o deputado. Uma coisa leva à outra e logo estamos nos dando o direito de fazer o que queremos.
Temos dois caminhos pela frente. Ou nós aprendemos que só o respeito ao outro nos mantém civilizados (e nesse caso seguiremos as regras que nos impedem de virarmos bárbaros); ou viveremos num mundo em que cada um determina o que pode fazer (um mundo de Carlis. Alguém quer isso?).
São Tomás de Aquino dizia que a soberba é a origem de todos os males. Se eu me considero superior aos outros, acho que tenho direito a mais do que os outros. Assim se justifica o roubo. Assim se justifica o assassinato. Assim se justifica andar acima da velocidade, e sob efeito de álcool.
Podemos todos entrar nessa. É o que ocorre às vezes. É o que causa o caos em que vivemos às vezes.
Portanto, fica o recado. É claro que é necessário gritar para que Carli pague pelos seus erros. O que não podemos é fazer isso e continuar desrespeitando a lei e aos outros o tempo todo. Pois isso, sim, pode doer nos ouvidos, mas é mera hipocrisia.
*publicado no blog de Rogério Galindo na Gazeta do Povo
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