domingo, 7 de março de 2010

PAULO MENDES CAMPOS

Vou procurar mais sobre ele, pois já tinha ouvido falar dele, mas nunca havia lido nada.

PAULO MENDES CAMPOS

quem coleciona selos para o filho do amigo;

quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava;

quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho;

quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia;

quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre;

quem se ri das próprias rugas;

quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental;

quem procura na cidade os traços da cidade que passou;

quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada;

quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira;

quem manda livros aos presidiários;

quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera 
do colégio;

quem escolhe na venda verdura fresca para o canário;

quem se lembra todos os dias do amigo morto;

quem jamais negligencia os ritos da amizade;

quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona;

quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de 
conversar com amigo ou amiga;

quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos;

quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças;

quem guarda as cartas do noivado com uma fita;

quem sabe construir uma boa fogueira;

quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens;

quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência;

quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição;

quem se desata em sorriso à visão de uma cascata;

quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz;

quem de repente liberta os pássaros do viveiro;

quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo;

quem julga adivinhar o pensamento do cavalo (e de outros bichos);

todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.

- Conica intitulada "Acorrentados", do Livro: O amor acaba - crônicas líricas e existenciais (publicado pela Editora: Civilização Brasileira de autoria de PAULO MENDES CAMPOS).

*visto no blog da Cecilia Giannetti na Folha de São Paulo

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