terça-feira, 19 de outubro de 2010

A eleição cria monstros em meu e-mail

Certo “espírito cívico” – minimamente, um extraordinário “ânimo partidário” – está tomando conta de alguns extratos da sociedade brasileira no presente momento eleitoral. Isso fica absolutamente evidente – irritantemente cristalino – na internet. Não nos sites, blogs e redes sociais institucionais ou de “amigos” dos candidatos, que posso visitar por vontade própria e aonde não costumo ir exatamente para me livrar do excesso de maldade ou daquele ufanismo capaz de elevar a glicose no sangue de quem lê.

A evidência do momento de campanha chega através da caixa de entrada de e-mails. De repente, passo a receber duas ou mais mensagens de ataque ou apoio a Dilma e Serra por dia. Missivas longas, macarrônicas, repletas de “razões” e cheias de “sensibilidade” (algumas, com erros de português lamentáveis), infalivelmente eivadas daquele tom apologético que faz lembrar o discurso do chato recém-convertido a uma religião.

A coisa seria mais tranqüila, não fosse pela percepção de que são encaminhadas, em sua maioria, por conhecidos com quem nunca troquei mais do que duas ou três palavras, pessoas que, em circunstâncias normais, jamais teriam interesse em ou motivo para enviar alguma mensagem. Pessoas, enfim, com quem não tenho grande intimidade e nem afinidades. É interessante, mas é exatamente isso que me deixa mais irritado - a desesperada tentativa de aproximação, claramente dirigida por uma motivação eleitoral. “Somos todos amigos agora, portanto vote no Fulano...” – aqui, ó!

Pois outro dia, depois de receber um desses e-mails, manifestei mais irritação que de costume e resolvi escrever para um dos remetentes, pedindo que ele parasse com aquilo. Explicando que eu, definitivamente, não seria levado a votar em Serra ou em Dilma por conta de e-mails, e que aquelas mensagens poderiam, sim, pesar de forma negativa (“O candidato X ama o Brasil, você sabia?” – pau nele!). Recebi uma resposta atravessada, jacobina, e fui literalmente acusado de “trabalhar para o outro candidato”. Fim da picada.

De repente, não mais do que isso, apenas descubo um limite de minha própria privacidade. Capaz de me levar à insurgência, inclusive, contra um espírito cívico saudável e oceânico que toma o Brasil. De repente (sou mais tentado crer nisso), essas mensagens são mesmo um horror e a “intimidade historicamente forçada” dos e-mails de catequese política, apenas uma manifestação real de violência simbólica.

P.S.: Esses caras acreditam mesmo que mensagens como as que enviam são capazes de convencer alguém? Ou agem assim apenas para manifestar, a si próprios, uma salvadora condição de militância?

*do blog "Interrompemos Nossa Programação"

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