terça-feira, 17 de abril de 2012

Queda de braço entre bancos e governo pode elevar tarifas

Se optarem por reduzir juros, instituições deverão buscar outros meios de elevar receitas; o aumento do preço dos serviços ao correntista é um deles

O movimento está só começando. Na opinião de eco­­­nomistas, a redução das taxas de juros ao consumidor promovida pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Fe­­deral deve mesmo resultar, como prevê o governo, no estabelecimento de um novo patamar. Mas o correntista pode esperar por outras consequências, não tão positivas: é bem provável que as instituições financeiras busquem elevar as receitas a partir de outros caminhos, como a cobrança de tarifas.

“Os bancos privados terão de se adaptar em uns quatro ou cinco meses, senão vão perder mercado”, prevê o economista Luciano D’Agostini, integrante do Grupo de Pes­­quisa em Macroeconomia Es­­­­truturalista do Desen­volvimento, ligado ao Conse­­­lho Nacional de Pesquisa (CNPq). Embora o brasileiro tenha pouca tradição em mudar de banco, alterações recentes foram feitas na regulamentação, permitindo essa migração (veja mais em reportagem abaixo).

A questão é se os bancos realmente têm condições de cortar os juros – reduzir o spread, como se diz na linguagem econômica. O spread é a diferença entre o custo de captação (aquele que os bancos pagam para obter recursos, normalmente próximos ao CDI e à taxa Selic) e os juros que cobram do consumidor. Aí é que está a maior divergência entre o governo e os bancos: para o ministro Guido Mantega e outras autoridades da área, as instituições lucram demais; para elas, os custos administrativos ligados à inadimplência consomem a maior parte.

A queda de braço chegou ao público na semana passada. A Federação Brasileira dos bancos (Febraban) levou ao governo uma série de reivindicações para “facilitar” a queda dos juros, a maioria das quais ligadas à segurança jurídica. Em linhas gerais, eles querem mais facilidade para retomar bens de clientes inadimplentes. Mantega acusou os banqueiros de “fazer cobranças ao governo em vez de apresentar soluções”.

Ambos, entretanto, concordam que é preciso baixar os juros. Para os bancos, chega a ser uma questão de saúde financeira. De 2005 para cá, o índice de endividamento das famílias brasileiras cresceu de 18,4% para 42,6%. Segundo cálculos de D’Agostini, se nada mudasse a situação se tornaria mais e mais crítica. “As dívidas vinham crescendo em torno de 10% ao ano, enquanto que a renda aumenta 3% ao ano”, ensina. Assim, a tendência é que o ano de 2012 fechasse com 47% de endividamento. Em meados do ano que vem, os brasileiros chegariam a comprometer metade de sua renda com dívidas. Em pouco tempo, viveríamos em um país de endividados – e os bancos teriam crescentes dificuldades com clientes inadimplentes.

A redução dos juros, ao contrário, tende a criar um círculo virtuoso, na opinião de Maria Angélica Luqueze, professora do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad). Para ela, juros menores permitiram que um número maior de pessoas mantivessem as contas em dia, o que levaria a menos inadimplência. Com uma carteira mais saudável, os bancos poderiam reduzir mais os juros. “Os bancos poderiam ganhar com a redução da inadimplência”, diz. Outra forma de compensar a receita perdida seria o aumento das tarifas. “Os bancos ainda têm muito a fazer em termos de tarifação”, admite D’Agostini.

Esse seria, teoricamente, o incentivo para que os bancos aceitassem reduzir os juros. Por um lado, as receitas podem cair se as instituições passarem a cobrar menos pelos empréstimos. Mas elas não cairiam de qualquer forma, caso os clientes se demonstrassem incapazes de pagar juros de mais de 100% ao ano?


Estratégia “clona” experiência de fim de 2008, começo de 2009

A estratégia do governo – convencer os bancos estatais a baixarem suas taxas, com o objetivo de forçar as instituições privadas a fazer o mesmo – vinha sendo gestada há alguns meses. Em parte, ela estava baseada em movimento semelhante realizado entre setembro de 2008 e o início de 2009. Naquela época, auge da crise internacional provocada pela quebra do banco de investimentos americano Lehman Brothers, a concessão de crédito praticamente parou. O temor de uma recessão global fez com que os bancos deixassem de emprestar.

Entre as medidas adotadas pelo governo para dar incentivo à economia estava a orientação para que os bancos federais abrissem as torneiras do crédito. O setor imobiliário foi especialmente beneficiado. Os bancos privados seguiram, e a estratégia deu certo.

No caso dos juros, a questão não é tão simples. Poucos brasileiros aceitariam mudar de banco em troca de pagar menos juros. A opção por uma ou outra instituição é complexa, influenciada pelas contas deixadas em débito automático, a localização das agências e a folha de pagamento do empregador.

Esta última é uma das questões mais delicadas, mas o último obstáculo a ela caiu no início deste ano, com a plena vigência das regras de livre opção bancária. Esse conjunto de regulamentações permite que qualquer trabalhador escolha a instituição por meio da qual vai receber seus vencimentos. Isso vale inclusive aos funcionários públicos, “liberados” para trocar de banco desde 1º de janeiro. “Isso torna a estratégia do governo factível”, explica a professora Maria Angélica Luqueze, do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad).

Outra ênfase é a da renegociação de débitos, uma questão sensível para famílias que já estão endividadas. Estas são beneficiadas pelas regras de portabilidade vigentes desde 2006. Elas permitem que o indivíduo transfira suas operações bancárias – inclusive suas dívidas – de um banco para outro. Até há pouco, essa opção era pouco usada (a média era de 32 mil operações por ano, apenas). Isso ocorria porque a diferença de taxas entre as instituições não era relevante. Com alguns bancos praticando juros menores, a tendência é que a procura por esses serviços venha a crescer.

E como ficam os rendimentos do mercado financeiro?

Entre os profissionais da área financeira é comum a percepção de que os brasileiros querem pagar menos juros, mas acham que é possível continuar a obter remuneração alta nas suas aplicações. Mas as duas situações são incompatíveis. Pode-se esperar, então, uma queda importante nos rendimentos da renda fixa nos próximos anos.

Essa tendência já é visível – afinal, nos últimos anos a taxa de referência, a Selic, vem caindo fortemente. A questão mais complexa, agora, diz respeito à caderneta de poupança. “Pelos modelos de cálculo usados pelo Banco Central, a Selic poderia ficar entre 6,8% e 7,8% no fim deste ano”, diz o economista Luciano D’Agostini. “Mas ela não pode cair tanto, porque chegaria muito perto da remuneração das cadernetas.”

Como é isenta de impostos, a caderneta de poupança já apresenta rendimentos superiores a algumas aplicações de renda fixa. E a tendência é que isso se torne mais e mais comum. Assim, para “destravar” a queda dos juros, seria necessário mudar as regras de remuneração da caderneta – atualmente, ela rende 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial de Juros (TR), o que resulta em um piso de 6,17% ao ano.

Para mudar essa regra é preciso enviar uma nova proposta de regulamentação ao Congresso Nacional – um desgaste que poucos governantes estariam dispostos a assumir em um ano de eleições municipais, como 2012.

*com informações publicadas na Gazeta do Povo

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