Levo meus filhos para almoçar no Centro. É sábado, meio-dia, e
caminhamos por uma rua movimentada. Um deles olha para todos os lados e
dá seu parecer: “O Centro é épico.” Épico? “É bem como vemos nos filmes,
com mulheres de mãos dadas com crianças e homens de terno e gravata.”
Épico,
caso o leitor não saiba, vem sendo usado como gíria por algumas tribos
de adolescentes de 2012. O que é épico é clássico. O Centro é clássico.
Meu filho tem razão: o centro de qualquer cidade é um clássico. Como
tal, tem seus fãs e também causa repulsa. Os centros sofrem crises
periódicas, fases em que são abandonados pela população e, em
consequência, morrem. Lembro-me do Centro Histórico do Recife, que,
quando visitei, há uns 20 anos, era um conjunto de lindos edifícios
abandonados em ruas semiabandonadas. Parece que ressuscitou.
(Depois de escrever isso liguei para o Jornal do Commercio, do
Recife, e falei com a jornalista Cleide Alves, que me contou que houve
muitas mudanças no Recife Antigo, que hoje abriga um polo de tecnologia
naquelas velhas construções. Só que ainda faltam moradores, o que dá ao
bairro, em certas ruas e horas do dia, o tal ar fantasmagórico dos
bairros abandonados.)
No Centro de São Paulo vi cenas que pareciam saídas do Inferno de
Dante. Uma vez, na Praça da Sé, dei de cara com um grupo de mendigos que
lavavam as cabeças, ajudados por voluntários de uma ONG munidos de
baldes de água, xampus e tesouras para cortar os cabelos. Cena
estranhíssima, meio Almodóvar, meio George Lucas (a aparência dos
mendigos, de cabeça abaixada para receber os baldes de água, sugeria uma
cena de Guerra nas Estrelas).
Os centros das cidades têm dessas coisas, também é por isso que são
clássicos.
No Brasil, durante as três últimas décadas, essas regiões
sofreram esvaziamento populacional, perderam moradores, perderam cinemas
e o comércio mais sofisticado. Isso significa que, fora do horário
comercial, ficam estranhamente mortos. Ainda assim, são privilegiados em
termos de infraestrutura. Nas áreas centrais há asfalto, telefonia,
energia elétrica. Depois de anos morando perto do Centro, quando me
mudei para um bairro afastado descobri que a cidade ainda convive com
interrupções no fornecimento de energia elétrica e que a maioria das
ruas tem pavimentos precários.
O Centro é mais bem equipado, mas também pode ser mais agressivo.
Concentra as invenções humanas que caracterizam nosso estilo de vida
urbano: prédios altos, comércio intenso, vias alargadas para receber
muitos automóveis. São poucas as árvores, os espaços vazios.
Saímos do
Centro em busca da cidade que nos acolhe, a periferia “épica” dos filmes
americanos e dos gibis da Turma da Mônica. Lembra do bairro Limoeiro,
onde Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali circulavam se encontrando a toda
hora pelas esquinas? O Limoeiro tem árvores e “campinhos” vazios.
Ainda
que nunca prestemos atenção nessa paisagem, ansiamos por ela e por seu
acolhimento. O Centro, em comparação, é árido e sufocante. Culpa da
ideia de progresso que impera na cabeça da maioria, inclusive de alguns
administradores públicos: espaços vazios, áreas para pedestres, árvores
(muitas árvores) fazem maravilhas em um centro de cidade. Mas são vistas
como investimento caro e sem retorno imediato. Os centros são épicos,
até mesmo por refletirem todas as nossas bobagens.
*coluna de Marleth Silva, publicada na Gazeta do Povo
domingo, 23 de setembro de 2012
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